domingo, 6 de novembro de 2011

Leitura de uma carta a alguém extraordinário: a avó de Saramago

O mês de outubro é dedicado à população sénior, com atividades diversas. Na escola, a biblioteca propôs a leitura da carta de José Saramago à sua avó Josefa. Os alunos adoraram a carta e também eles escreveram as suas cartas a alguém extraordinário.
A carta esteve exposta durante todo o mês na biblioteca, mas sem fundo musical, bastaram, para isso, as palavras do nosso prémio Nobel.

E que belas as suas palavras! A emoção que sentimos:
"Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas, deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio começava a gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua cama, lume da tua lareira, – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
Não sabes nada do mundo, não entendes de política, nem de economia, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste uma centena de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos da rua, casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de palmo. Da fome sabes alguma coisa. Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. Como tu não vi rir ninguém.(...)"


Para todas as avós que tanto gostamos!!

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